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a arte de ciclar


Aos 23 anos minha vida como mulher se transformou. Descobri que meu corpo ciclava, como a Lua. Sim, eu já sabia como funcionava o ciclo menstrual, todas as produções e inibições hormonais que acompanham a mulher desde a menarca(primeira menstruação) até a menopausa. Mas não. Eu não sabia que tinha uma correlação direta com as fases lunares, e isso me fez questionar tudo que eu havia construído sobre o feminino até então.

Porque minha mãe e minha avó não tinham me falado sobre isso? Elas também não sabiam.

Eu fazia uso de anticoncepcional injetável trimestral porque não queria engravidar e também achava uma tolice a menstruação. "Para quê menstruar? É uma função inútil que a mulher tem que carregar mensalmente." E passei anos sem menstruar, porque não via praticidade nenhuma nisso, muito pelo contrário, além de demandar um investimento econômico diante dos gastos com absorventes, nesses dias, minha vida se limitava em relação a roupa que eu iria usar ou atividades que iria fazer, como ir pra praia, ou fazer academia. Desde sempre fui a favor da liberdade sexual e da luta e militância quanto a igualdade de gênero. Mas achava que meu corpo precisava ser inibido porque uma função dele não prestava pra nada, era inútil.

Até que descobri a Lua. E as suas fases. E as suas influências.

Parei com o uso do anticoncepcional injetável e decidi me aventurar nos ciclos naturais do meu próprio corpo. Comecei a fumar m@conha e nessas experiências consegui ter percepções mais claras sobre a ciclicidade que permeia tudo no universo. Desde os átomos, até os astros, tudo é coordenado por ciclos. E por que não descobrir o que era esse ciclo da minha própria corpa mulher?!

Fiz uma ultrassonografia pélvica e descobri que meus ovários estavam atrofiados.

Segui em frente, comecei a me entender. A lidar com cada menstruação com paciência, entrega e vulnerabilidade. Deixei que as sensações viessem e comecei a entender o efeito dos hormônios no funcionamento da minha mente, emoções, sensações e ações.

Passei a surfar no descobrimento diário de estar em um corpo lunar, que em um ciclo de 28 dias me ensina mais do que qualquer livro, instituição ou guru.


Aceitar o minha forma sangrante foi a maior libertação do meu ser mulher.


Ciclar como a lua me ajudou a entender que meu organismo é único, e a cada dia vai ser diferente. É uma grata alegria ter a dádiva de estar viva nessa dança tão vasta, rica e bela.

Ciclar como a lua está me ajudando a aceitar as estrias, celulites, gordurinhas, espinhas, manchas, pelos, rugas.

Ciclar como a lua me ensinou a arte do autoacolhimento.

Ciclar como a lua me ensina diariamente sobre o equilíbrio, escolhas conscientes e cuidado contínuo desse lar, que sou eu, mas que nela, também estou de passagem.


Espero que todas nós possamos nos empoderar da riqueza que é ser um bicho que sangra, em um ambiente hostil aos corpos não-masculinos.


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