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Foto do escritorRaíssa Ruperto

Fractal de meditações

Ano 21 do século XXI, estava sentada a beira de mim tornando a me esbaldar com as anotações do diário de Marco Aurélio, imperador romano em 161 d.C. O livro chama-se Meditações, com óbvias razões de ser: ele escreveu sobre o que achava do mundo, do ser humano e das interações sociais. Me pergunto se gostaria que as pessoas lessem as suas reflexões pessoais sobre a vida, devido a invasão de privacidade. Pergunta sem resposta. Pelo menos nesse plano.

Vamos ao que interessa, em uma de suas notas ele pontua "lembrar-te do retiro que podes realizar no pequeno campo interior de ti mesmo; e, acima de tudo, não te apresses na ansiedade nem sejas inflexível, mas livre, e vê as coisas como homem, como ser humano, como cidadão, como animal mortal".

Seu Marco era no mínimo um sábio de si mesmo. Por vezes a busca desenfreada pela paz, alegria e plenitude é subjugada ao mundo no qual estamos inseridos, sejam eles objetos, crenças, nosso campo familiar, afetivo, social. A falta de auto responsabilidade nos enclausura em um estado de perda contínua a qual nunca é absolvida, mesmo que sejam dados nomes aos ditos faltantes; novos advém dessa incompletude em constante defrontamento com a insatisfação.

Dessas qualidades sempre almejadas pelo homem em todos os tempos da sociedade, não incluo aqui as básicas para a existência do ser visto que a busca pelo pão que nutre as células é um ato exterior e disso não há quem não concorde.

Em matéria de presença, estamos em fuga contínua: ao adornar o nosso tempo sempre ao máximo, seja em atividades, em relações, ou distrações, ante ao enfrentamento do que advém do estado de solitude. Por milhares de momentos o encontro com aquilo que mora em nós é assustador a tal ponto que o melhor seria ligar uma televisão e enxergar a maldade fora de mim, a vistas de me privar de encarar com as minhas próprias mazelas.

O retorno para casa é necessário. Retorno a nós mesmas. A volta tão esperada da alma que por tolice fez um tremendo esforço para se preencher por fora, sem saber que o caminho mais fácil, e leve, era dentro de casa. Dentro de si. Em si.

Quando identificamos nossa casa interior podemos melhorá-la. Decorá-la. Reformar as paredes mal feitas. Abrir as janelas empoeiradas. Limpar o chão maltratado pelas exigências do tempo. Fazer de dentro de nós um local tão belo de se estar, em que a serenidade é sinônimo no momento da presença.

Daí o primeiro passo: presença. Agora. Hoje. Silêncio.

Penso que ao estar nesse lugar que é só nosso, o encontro com almas que estão conosco no caminho do existir também torna-se mais leve, pois naturalmente vibramos como seres humanos de bem, cidadãos conscientes e animais em ressonância com a natureza. Assumindo nossa casa em nós mesmas em busca da paz contínua, podemos, assim, amplificar essa sensação em todos os lugares que estamos, de forma consciente e justa.

As casas passam por turbulências, vendavais que muitas vezes levam o telhado e inundam o que nem sabíamos que estava lá. E daí mais uma lição: aprender com paciência e disciplina a arte de reformar nosso ser continuamente, a fim de fortalecer a alma que entende que os males externos, não pertencem a ela, mas às circunstâncias. Lembrando que sempre estaremos lá, após a tormenta, e conduzir nosso universo interior a um estado de harmonia. A beleza da vida é o fluxo contínuo de nascer e morrer incessantes, porque não admirar tal lei?!

E Marco Aurélio, de quem leio o diário, sem saber se posso, termina a sua anotação: "e já observaste tantas transformações que deves pensar ininterruptamente: 'o mundo é alteração, a vida é sucessão'."

Fim de tarde, cachorros latindo lá fora, não sei bem o que sentir, mas sinto e deixo ir.

Aprendizados.


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